sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

SAUDADES E PALAVRAS

Sentir saudades é querer partilhar a história de vida do outro, num mesmo espaço e tempo. É querer estar em sintonia de afecto, olhando numa mesma direcção e vivendo uma intenção comum de interromper o curso implacável do tempo, que torna as horas de cada um quantas vezes inconciliáveis e impossíveis de situar num encontro. É o desejo de estar mais próximo e actuante, para compreender a essência espiritual daqueles por quem mais sentimos estar ligados de forma sincera, seja por via das origens biológicas, seja pelas razões intimamente associadas ao despertar da importância que determinada pessoa causa em nós e que, por isso, nos faz ver nela quem mais nos completa. Trocam-se recordações, olhares e palavras, na tentativa de reviver situações marcantes para ambos, quando nem sempre se pode responder totalmente aos primeiros chamamentos da outra metade de nós. Nesse sentido, desejar a sua presença, independentemente das falibilidades de agenda, já é reconhecer os valores de amizade (ou mais profundos) que ambas as partes sentem. Pode, ainda, a ausência fortalecer o desejo de presença, e aí podemos afirmar que a saudade pode ter um prazo, porquanto definido em função da disponibilidade manifestada ou simplesmente condicionada pelas circunstâncias do quotidiano. É que nem sempre a vida proporciona a aproximação pretendida, apesar das vontades muitas vezes escondidas bem lá no fundo de cada um. O pior que pode suceder, e julgamos não estar longe de uma certa convicção enraizada nas experiências passadas, é pensar que a consciência de saudade pode significar ausência de sentimento ou desagrado pela recuperação de bons momentos vividos. Bem pelo contrário, assumi-la como parte de uma forma bem portuguesa de estar é ter a consciência de nós próprios como seres que vivem pela existência do outro.      

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