sábado, 27 de dezembro de 2008

PAUSA NOS HÁBITOS

Veio a calma de que precisamos para pensar em nós mesmos, terminada a clássica pressa de preparar as festas normais. Vemo-nos de repente em sossego interior, até por força do clima, a esperar novos episódios da corrente de celebrações que antecedem a passagem de ano, e percebemos que vale a pena ultrapassar a brevidade de algumas tristezas por outras não menos breves alegrias. Valem umas pelas outras, que a nossa vida não pode ser o sacrifício incessante de perceber as notícias tristes sobre despedimentos e acidentes nas estradas de todos. Não podemos insistir na contradição de entender a vida como ela é e de sonhar com prazeres irreais existentes bem longe da pátria. Também lá há miséria, fomes e desesperos. Se os que temos estão no campo dos impostos, das despesas, dos aumentos dos preços e do agravamento do custo de vida, bem longe de nós persistem flagelos praticamente irreversíveis. Continua o mundo dividido em querer e poder, não se sabendo muito bem a quem compete parar com a hipocrisia reinante, enquanto sofrem milhões com a falta de aplicação dos programas de educação. E temos tempo para pensar em tudo, desde que o nosso mundo não fique muito afectado com as imagens de desgraça e infortúnio. A nossa casa merece todo o descanso que os outros devem dar, e não é qualquer novidade que pode abalar a necessária calma. Pensamos assim, porque até para isso a ventura nos favorece, numa pausa de recuperação de umas energias gastas e outras a consumir nos dias que se seguem.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

DA PRESSA DO USO

Depois do assombro dos embrulhos e das surpresas sem preço, regra do social que a aparência manda, para evitar a preocupação com a nossa materialidade, regressamos ao desaforo da vida normal, já na espera das novas festas que não demoram. Preparamos quase tudo, a contento de prazeres bruscos e de convívios mais ou menos duradouros, enquanto existem. Porque tudo tem um tempo, sendo-nos impossível de o fixar eternamente, do desembrulhar das prendas ao uso já cansado dos brinquedos onde elas vinham, tudo é breve como o rasgar dos papéis que escondem as novidades. E logo assistimos ao encher de sacos de papéis que perderam o mistério de esconder o desconhecido, porque deixaram de encobrir o que não se conhecia. Numa parte. Sabemos sempre metade, é o que é, porque gostamos de dar aos outros apenas uma parte dela. Seja no formato do embrulho, seja no material de que o interior pode ser feito, não abrimos o jogo por completo, para manter o enigma até a hora da nossa decisão. Se pudermos, damos hora para o desfazermos, enquanto donos de uma oferta. Ordem com um tempo breve, também, conquanto conscientes da (in)utilidade dos brindes entregues. Porque tudo é breve e conciso, e sentimos o inevitável da paragem do tempo, procuramos retardar os segundos vivos de alegria em memórias de registo fotográfico. As excelentes não precisam de ficar embrulhadas. As melhores entregam-se sem papel e sem colorações.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

NASCER SEMPRE


Nascer para tudo outra vez, e sempre para as coisas novas de todos os dias. Precisamos de novos contextos facilitadores do acto de nascer para a novidade constante da vida. Reclamamos pensamentos audaciosos e decisões inspiradoras, capazes de nos elevar a outros patamares de descoberta, porque tudo parece repetido e bem fora de verdade. Queremos nascer para as relações sensatas e honestas; queremos nascer para a bondade dos gestos simples e sinceros; queremos nascer para outras tarefas de construção, mais audazes e mais claras; queremos nascer para os espaços onde se respire pureza e bem-estar; queremos nascer para os montes e vales de silêncio; queremos nascer para as palavras que alentam e infundem sossego e alma nova; queremos nascer para os olhares autênticos e para as mãos que unem; queremos nascer para acreditar num futuro melhor, crença que o presente nos tira impiedosamente; queremos nascer para o trabalho persistente e pleno de pedagogia, em que a aprendizagem decorra sem sobressaltos; queremos nascer para as obrigações familiares equilibradas; queremos nascer para as falas prudentes de estabilidade e sensatez; queremos nascer para o civismo respeitador e pleno de exemplo; queremos nascer para caminhos novos que nos conduzam a horizontes abertos, livres e renovados de esperança. Porque queremos nascer assim, façamos do Natal a festa do nosso próprio nascer, e alarguêmo-lo ao mundo dos outros que querem crescer em espírito.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

RECEBER A LUZ


Estaremos prontos a nascer para as coisas novas do quotidiano? Que fazer, quando a nova luz estiver bem próxima e pedir para entrar? Recebê-la-emos em paz e em liberdade total? Saberemos mantê-la acesa por mais um ano, pelo menos, sem deixar que se apague cá dentro o seu significado? Não importa a hora a que pede para entrar na casa do nosso coração. Queremos que seja mais uma visita duradoura e que a sua presença perdure por muito tempo, porque afirmamos na natividade a permanência dos bons sinais nas nossas relações. Fica-nos um papel por demais decisivo nesta incitação para sempre: alimentar a chama que alenta faz-nos descobrir uma capacidade nova e feliz que é a de estarmos a crescer para um mundo novo. Ele não espera por nós. Juntos, conseguimos construí-lo com outra harmonia, dando-lhe mais cor e despertando os homens ensonados para a surpresa de festa que existe em cada dia. Muitos chefes e homens de números não percebem isto, porque atidos a rigores burocráticos e a justificações tecnocráticas, distantes das simples formas de perceber as realizações limpas e sinceras dos sinais da vida. Deixar entrar em nós a luz do que é despretensioso, é promover o encontro com as evidências incomplexas e naturais. De onde e como nascemos.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A MAIOR SURPRESA

As surpresas que temos nem sempre concorrem para a realização da nossa felicidade, mas podem contribuir para o nosso equilíbrio emocional. Sabemos que o nosso curriculum vitae não se compõe só de factos positivos assinaláveis, e que as quebras ou falhas também existem para nos ajudar a crescer. Se há virtude entre os acontecimentos menos auspiciosos que temos, uma delas é a de contribuir para aprofundarmos em nós a capacidade de interpretação dos sinais diários. Como numa despedida. Sabê-la sempre triste, porque sujeitadora ao abandono eterno, é tomar consciência de que, afinal, estamos juntos na simplicidade dos limites impostos à individualidade. Somos muito vulneráveis a esse prazo que ninguém conhece, mas que todos admitem inexorável, porque cada lugar precisa de ser ocupado por pessoas diferentes. A vaga fica entre quem compreender a utilidade da sua função, e, mais tarde ou mais cedo, será preenchida por quem perceber ter a missão de substituição a cumprir. Acreditemos ou não, que a vida se renova pelo princípio da substituição das coisas e das pessoas. Perante a inevitabilidade do itinerário comum, apenas nos resta aceitar essa força estranha dominadora como mais uma necessidade entre muitas, evitando recusas e atropelos ao curso de vida dado logo à nascença. No princípio, diferentes; no fim, iguais, porque todas as contas ficam saldadas a tempo.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

ACREDITAR NA DIFERENÇA

A penúltima semana do ano não parece trazer consigo nada de novo. Os trabalhos necessários esperam por nós, enquanto não fazemos a também necessária pausa da época. A preparar arquivos, numa azáfama rotineira, antes de entrarmos no descanso merecido da quadra, entre números, linhas e colunas, para que tudo fique conforme. Restos de obrigações, antes que o ano termine e as expectativas não se concretizem. Altura para misturar algumas tristezas - poucas - com as alegrias de fé num ano melhor, entre aqueles que trazem novos significados à nossa vida. Precisamos deles, como da luz que nos entra nos olhos, porque cada dia pode ser diferente e sempre desafiante; porque os objectos também mudam de lugar; porque os nossos pensamentos também têm de se transformar. Doutra forma estaríamos a criar atitudes sempre previsíveis e pobres de surpresa. Devemos ter reacções ponderadas, sim, mas não pelo facto de os outros adivinharem as nossas respostas. A sensatez deve derivar antes da nossa capacidade de distinguir o sentido de oportunidade, sempre que as solicitações externas assim o determinarem, porque temos de ser novos perante a repetição empobrecida das ideias alheias.

domingo, 21 de dezembro de 2008

O ADVENTO DA LUZ

Último domingo do advento, neste ano quase a fechar. Mais uma vela se vai acender, em nome dos que acreditam que a luz pode e deve ir alumiando nossos caminhos, umas vez mais e outras vezes menos clarividentes, Uma manhã de muito silêncio e muita calma, como é habitual neste dia de descanso. Olhamos o sol e sentimos os frios que os ares trazem, a chamar-nos ao aconchego familiar. Falamos de novos afazeres na semana que aí está a começar e prometemos colaborar com as tarefas administrativas necessárias ao Natal dos outros. Sim, porque é muito necessário pensar nos outros que não têm preocupações com o trabalho, por não o terem. Devemos dar uma réstia de esperança aos que procuram e ouvem e vêem portas que se fecham diariamente, recusando a iniciativa. Porque hoje praticamente tudo se recusa, até a vontade alheia em colaborar connosco. Afinal, se podemos ser ajudados, porque havemos de negar esse contributo? Só uma espécie de cegueira nos impede de perceber que devemos participar em conjunto, na melhoria do grupo a que pertencemos. O Natal faz-se do tempo dado aos outros. O nosso está para chegar, entre trabalhos e responsabilidades nem sempre reconhecidas na verdadeira medida. Se o nosso advento tiver aquela chama que brilha sem se apagar, então estamos muito perto de considerar a natividade como a grande festa do nascimento do homem novo, que todos os dias procuramos.